ORDEM DOS FRADES MENORES
CUSTÓDIA DE SANTA CLARA DE
ASSIS DE MOÇAMBIQUE
A
RECONCILIAÇÃO NACIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A PAZ
À
Família Franciscana de Moçambique,
Às
Comunidades Cristãs,
Aos
Dirigentes dos Partidos Políticos de Moçambique e
Aos
Homens e Mulheres de Boa Vontade.
Há
mais de um ano que o nosso País vive uma situação que, progressivamente, passou
de uma simples instabilidade política para um estado tal, em que se começou a
delinear um autêntico espectro de uma guerra civil que evoca os Acordos Gerais
da Paz (AGP) assinados em Roma, no dia 4 de Outubro de 1992, entre a Frelimo e
a Renamo. O repudiado clima de guerra manifesta-se nas suas diversas formas
como, por exemplo, nos repetidos incidentes militares entre as Forças Armadas
de Defesa e Segurança de Moçambique (FADM e FIR) e os homens armados da Renamo;
na multiplicação e na intensificação de atitudes de intolerância e de reacções
extremas, entre os signatários dos Acordos de Roma; nos frequentes ataques a
viaturas de transportes civil e de mercadorias que, além de comprometerem o
percurso normal dos projectos de desenvolvimento económico, destroem as vidas
humanas; nos raptos e sequestros de pessoas nos grandes centros urbanos como
Maputo, Matola e Beira; na fuga e no abandono de populações inteiras dos seus
lugares de residência e a consequente interrupção das actividades escolares; no
abandono dos seus lugares de trabalho, de uma parte dos agentes de Saúde, nas
regiões directamente afectadas pela instabilidade. A partir das cifras divulgadas
oficialmente contam-se, nos últimos sete meses, mais de uma centena de vidas
humanas que foram inutilmente colhidas nos assaltos a posições militares, nos
ataques a civis e nas confrontações entre os grupos militares dos dois maiores
partidos.
Diante
deste indesejado quadro da situação político-militar moçambicana e receando que
o clima de intolerância e de violência, que se apoderou das mentes e dos
corações dos dirigentes políticos de ambos os partidos signatários dos AGP
venha a degenerar numa guerra de todos contra todos, nós, os Frades Menores da
Custódia de Santa Clara de Assis de Moçambique, a exemplo do nosso pai
fundador, São Francisco de Assis - arauto da paz, cuja festa se celebra,
precisamente, no dia 4 de Outubro que, por coincidência, é o dia da Assinatura
dos AGP para este nosso País - Moçambique – queremos, humildemente, convidar
·
A Família Franciscana
de Moçambique,
·
Os Cristãos de
toda a Igreja de Moçambique,
·
As Classes
Dirigentes do Partido no Governo e dos Partidos da Oposição,
·
Os Homens e as Mulheres
de Boa Vontade,
a
rezar pela graça da Paz no nosso País.
A
paz autêntica é um dom de Deus: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» - diz
Jesus. Ele ainda acrescenta: «Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou» (Jo
14, 27). A paz dos homens é, muitas vezes, imposta pela força. Este tipo de paz
dura enquanto a parte vencida – desarmada, humilhada e espezinhada pela parte
vencedora – não tiver capacidade autónoma para reagir, ou não tiver encontrado
ainda um aliado interessado em esposar a sua causa. Contrariamente à paz dos
homens, que é fruto do domínio absoluto do mais forte, a paz que Deus nos
promete é fruto da reconciliação, através da verdade na caridade. Por isso, a
oração que convidamos todas as categorias sociais a fazer é, particularmente, a
celebração ritual da reconciliação unida a gestos concretos de pacificação
interpessoal e comunitária.
A
situação de instabilidade política que, a nível nacional e internacional, tem
recebido uma condenação pública por parte dos órgãos políticos e da sociedade
civil, é fruto do espírito de intolerância e de violência que está no coração
de cada um de nós e que precisa de ser dominado para que se possa construir uma
sociedade humana salutar. A construção de uma comunidade política, caracterizada
pela convivência pacífica e pelo respeito pela diversidade de opiniões, exige
que cada um de nós ultrapasse os obstáculos que existem no seu coração e na sua
mente e que são: o egoísmo, o orgulho, a prepotência, a intolerância, a
ganância, o individualismo, a omissão no agir ou no falar, a indiferença em
relação à sorte dos outros; e, em relação ao bem comum, a negligência e a
preguiça, que nos impedem de instaurar uma sociedade política na qual todos se
possam sentir em casa própria. Trata-se daquele típico pecado social que é
comum a todos os homens, sem distinção de sexo, de origem étnica ou tribal, de
religião ou de tendência política. O pecado a que nos referimos, também é comum
aos governantes e aos governados. De facto, não podemos negar o ditado que diz:
«Cada povo tem o governo que merece!» A classe política não é mais do que uma
pequena amostragem do povo que governa; portanto, jamais será diferente dos
seus governados. É preciso que os moçambicanos não se iludam: somente terão
justiça, não quando o governo for justo, mas quando, cada um dos cidadãos,
procurar agir com justiça no seu dia-a-dia. A intolerância e a violência serão
vencidas, não só pelos acordos de paz entre as forças militares, mas sempre que
cada um dos moçambicanos souber respeitar a pessoa do outro e os seus direitos;
o individualismo e a indiferença em relação à sorte do outro, encontram uma
eloquente expressão nos governantes e nos administradores públicos, porque têm
uma equivalência nos grupos sociais de base. Muitas vezes, uma parte dos
cidadãos que com a sua indiferença, o seu egoísmo, os seus interesses privados,
o medo e a ignorância, colabora com os seus governantes para perpetuar as
injustiças, dão origem aos conflitos políticos. É por essa mesma razão que o
nosso apelo à conversão, é dirigido a todos os moçambicanos, sem distinção e
também a todos os estrangeiros, que estão ligados ao povo moçambicano por
relações comerciais, diplomáticas, ou outras.
A
vida de perfeição do nosso pai fundador, São Francisco de Assis, começa com a
sua renúncia à riqueza, seguida pela opção por uma vida de penitência. Para São
Francisco, as diferenças sociais que caracterizavam e perturbavam a convivência
pacífica da sociedade do seu tempo, eram fruto do pecado colectivo e, por isso,
a sua acção pastoral tinha o seu epicentro no convite dirigido aos habitantes
de Assis para fazerem penitência e para se converterem ao Reino da partilha, da
solidariedade, da subsidiariedade tal como tinha sido anunciado por Jesus.
Queremos,
no entanto, recordar a todos vós, caros irmãos, que a reconciliação que garante
uma convivência pacífica de uma comunidade política, a médio e a longo prazo,
passa necessariamente através de uma nova distribuição equitativa dos bens da
terra. De facto, a assimetria no acesso aos recursos e aos meios de
subsistência, muitas vezes, nutre as tensões políticas que se transformam em
conflitos armados.
A
história das guerras ocorridas no continente africano, desde o período da
descolonização até aos dias de hoje, mostra como a questão da distribuição
equitativa da riqueza é fundamental para a instauração e manutenção de uma boa
convivência política. O mesmo se poderá dizer no caso de Moçambique. Há muitos
indícios que sugerem que a questão da redistribuição da riqueza seja uma das
chaves interpretativas que explica a instabilidade político-militar e social que
se vive hoje no País. Os últimos vinte e um anos, que deveriam ter sido um
tempo fecundo para o estabelecimento de plataformas democratizantes, capazes de
nutrirem a confiança recíproca entre as várias opções políticas, foram marcados
por um crescimento sempre maior do abismo entre os exuberantes ricos, que detêm
também o controlo político e os míseros pobres, que se vão tornando cada vez
mais pobres, porque excluídos da participação político-económica; os vinte e um
anos de paz foram também marcados pelo aparecimento de clubismos e de
segregações corruptas, através da adopção de agendas visivelmente lesivas ao
interesse comum, ou de negociatas ilícitas e até tráfico de influências.
A
reconciliação é uma atitude na qual se reconhece a igualdade dos direitos do
outro e se tutelam as necessidades dos menos privilegiados. Foi por isso que,
depois do seu encontro com Jesus, Zaqueu manifesta e dá provas da sua conversão
declarando que iria dar metade dos seus bens aos pobres e, se tivesse
defraudado alguém em qualquer coisa, estava disposto a restituir-lhe quatro
vezes mais (cfr. Lc 19, 8). Não é possível falar duma autêntica reconciliação,
enquanto uns vivem na abundância e outros na penúria. A conversão, além de ser
uma reorientação no relacionamento da pessoa humana com Deus, é também um acto
social e comunitário. Foi por isso que, as multidões que perguntavam a João
Baptista o que deviam fazer para manifestar a própria adesão ao anúncio da Boa
Nova, este respondia: «Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma,
e quem tem mantimentos faça o mesmo» (Lc 3, 11).
A
nossa geração é testemunha do fenómeno da globalização, caracterizado pelo
movimento transfronteiriço, não só de bens de consumo, mas também de pessoas. O
nosso País ocupa um lugar privilegiado nessa nova dinâmica de relações
internacionais, através dos acordos diplomáticos entre o nosso governo e os
governos de vários povos, ou de instituições internacionais. Ocupa um lugar
relevante, também, graças à sua cultura acolhedora e hospitaleira, e graças
também à disponibilização dos seus recursos minerais e energéticos que,
destinados em primeiro lugar, para o consumo e para o desenvolvimento dos
moçambicanos, servem também para satisfazer as necessidades dos outros povos,
conforme as regras estabelecidas pelo Código de Direito Internacional. Sendo
assim, os moçambicanos não podem, por um lado, revelar uma grande capacidade de
dialogar e de negociar com os povos de além-mar e, por outro lado, serem
incapazes de dialogar e de encontrar consenso entre si mesmos.
Para
terminar, dirigimo-nos, particularmente, aos altos dirigentes do Partido
Frelimo e do Partido Renamo, para lhes dizer que o povo moçambicano anseia pela
paz. Não a paz efémera, fruto da vitória das armas, ou do domínio do mais forte
mas sim a paz como um estado de calma e tranquilidade, ausência de perturbações
sociopolítico militares, ou então a ausência de violência e guerra. A paz que o
povo moçambicano anseia não se reconcilia com o espírito de ira, de
desconfiança e de sentimentos negativos. Por outras palavras, o povo quer a paz
que nasce de corações reconciliados pela justiça e pela caridade. Tal paz é
também a condição indispensável para a realização do “milagre económico” que
traz benefício para todos.
Queremos
igualmente recordar aos dirigentes políticos, nacionais e internacionais que,
num Estado de Direito, não poderá nunca existir uma razão que justifique o uso
da força das armas para manter, ou conquistar o poder político. Quer a
conservação do poder político pela força, quer a sua conquista através da força
são ilegítimas e condenáveis num Estado de Direito Democrático. Por isso
pedimos, encarecidamente, e em nome do Deus da Paz, ao Partido no Poder e ao
Partido Renamo para cessarem imediatamente as operações militares e retomarem o
Diálogo. É urgente e inadiável escutar a voz da razão, a voz de Deus, a voz do
povo, a voz da tolerância, a voz da concórdia e a voz dos princípios fundamentais
do regime democrático.
Com
São Francisco de Assis, é nosso augúrio que a Paz e o Bem se tornem valores
vivenciais em Moçambique.
Maputo,
18 de Novembro de 2013
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Frei
Evódio João
Custódio
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